Sensei Kenji Tokitsu & Dr. Toshihiko Yayama
Diálogos entre Mestres
Sensei Kenji Tokitsu & Dr. Toshihiko Yayama
1ª Parte
Em dezembro de 1995, o mestre Tokitsu viajou para o Japão tendo-se encontrado com o Dr. Yayama e, na altura, convidou-o para realizar um seminário em Paris. O Dr. Yayama era o médico responsável pelo moderno hospital local de Saga (Kyushu), e criador de um dos métodos de qi-gong (chi-kung) que utiliza no tratamento de diferentes tipos de cancro. A revista «Cosmic Letter» publicou uma extensa entrevista entre o Mestre Tokitsu e o Dr. Yayama, da qual apresentamos apenas um excerto.
Yayama (Y) – Ao praticar os meus exercícios de Ki (Chi), tenho me interessado cada vez mais pelas artes marciais chinesas, entre as quais pelo taiki ken do mestre Sawai. Esta arte é originária do da-cheng-chuan? Praticou o taiki ken?
Tokitsu (T) – Em 1982, quando me dirigia ao Japão para aprofundar os meus estudos sobre o Karaté de Okinawa, comprei um livro sobre o taiki ken do mestre Sawai que me entusiasmou. Nesse mesmo ano, encontrei-me com o mestre Nishino, com quem pratiquei no meu dojo, no ano seguinte, durante a sua visita a França. Soube então que o mestre Nishino era aluno do mestre Sawai.
Y – Também praticou com o mestre Nishino o taiki Ken?
T – Estive com o mestre Sawai apenas uma vez mas, em Paris, treinei com os seus alunos. Senti-me muito influenciado pelo espírito e forma do taiki ken.
Y – O método do mestre Sawai é baseado no ritsu-zen. Em chinês diz-se zhan chuan, mas o mestre Sawai fala de ritsu-zen. Eu, pessoalmente, prefiro o termo ritsu-zen o qual utilizo no nosso grupo.
T – Também prefiro utilizar o termo ritsu-zen, pois parece que zhan-chuan simplesmente quer dizer permanecer imóvel como uma estaca, enquanto o sentido do termo ritsu-zen é mais profundo.
Y – Ao ouvir a expressão zhan-chuan, questionamo-nos sobre o seu significado enquanto o termo ritsu-zen é imediatamente compreendido por um japonês. Além disso, para a saúde, o ritsu-zen é muito mais eficaz do que o zazen que se pratica sentado e como a sua prática também é eficaz para as artes marciais, pratico-o desde há alguns anos. Para além do hai, também pratica o ritsu-zen há algum tempo?
T – Sim, desde essa altura. No início praticava principalmente esses dois exercícios: o ritsu-zen e o hai. Então encontrei o da-cheng-chuan, que é a forma original do taiki ken, e descobri que faltavam alguns elementos no ensino do taiki ken quando comparado com o da-cheng-chuan. Historicamente falando parece-me completamente normal uma vez que o mestre Sawai estudou o da-cheng-chuan na época da ocupação japonesa da China. Numa situação deste género, o mestre Sawai não pode estudar todas as subtilezas da prática chinesa.
Y – Claro. Nessas circunstâncias parece-me difícil aprender o essencial.
T – Não obstante, embora o ensino que recebeu não tenha sido suficiente, julgo que o talento marcial do mestre Sawai mitigou as deficiências, permitindo-o fundar o taiki ken. Pelo menos é o que penso ao comparar o seu ensino com o que se pratica na China, hoje em dia.
Y – Esteve na China?
T – Sim. Fui duas vezes a Pequim principalmente para estudar o da-cheng-chuan. Estive com seis mestres diferentes, o que me permitiu comparar as diversas maneiras de permanecer quieto. Cada um pratica a mesma posição de ritsu-zen embora de forma diferente; cada grupo pensa que é o melhor e critica os outros. Existem tantos grupos como mestres e tirei proveito dos diferentes métodos pois pude fazer comparações entre eles.
Y – Eu, pessoalmente, comecei a praticar o ritsu-zen depois de ter lido o livro do mestre Sawai e a partir da minha própria experiência; no entanto, ao início, era muito duro. Não recebi qualquer tipo de ensino. Depois de superar os primeiros problemas continuei a praticar e fui compreendendo os detalhes pouco a pouco. O que compreendi, através da prática do ritsu-zen, é a necessidade de abrir o mingmen na posição, pois abrindo-o pode-se fazer uma respiração mais profunda. O essencial não é a força muscular. No meu modo de ver, o essencial é desenvolver o sistema nervoso que controla os músculos. É por isso que nos colocamos na postura de ritsu-zen. Qual a sua opinião?
T – Estou de acordo. Quanto ao ensino dos mestres chineses, por exemplo, em vez de falarem de ki falam de yi. Yinian: este termo é difícil de compreender e difícil de interpretar. Segundo o que pude aprender e compreender trata-se do seguinte: primeiro criam-se umas relações subjectivas entre as diferentes partes do corpo, por exemplo, a mão e o joelho, a mão e o pé, o pescoço e a mão, como se estas partes do corpo estivessem ligadas por uns elásticos. Quando se move a mão ligeiramente, por pouco que seja, cria-se uma tensão ao nível do pescoço. Assim, constrói-se e desenvolve-se esta interrelação entre as diferentes partes do corpo. Neste sentido, o trabalho do yi é uma prática muito concreta.
Y – Compreendo muito bem. Na verdade, quando ao fazer qi-gong se pratica o ritsu-zen com o corpo repleto de ki, tem-se a sensação de mover todo o corpo quando apenas se move um dedo. Normalmente, quando giramos a palma da mão, só se move o pulso. Quando praticamos sentindo bem o ki, todo o corpo começa a seguir com naturalidade o movimento do pulso. Este é o tipo de sensação que eu sinto. Qual a sua opinião?
T – É verdade. Corresponde aquilo que se chama no da-cheng-chuan de zheng ti.
Y – Quer dizer o corpo que está nesse estado de integração?
T – É precisamente isso. Não há movimentos parciais. Quando mexe a mão, é todo o corpo que se move. Tudo é um movimento global.
Y – Efectivamente, todas as articulações do corpo estão relacionadas, não é verdade?
T – Exacto. A primeira etapa é a de construir esta sensação de integração. A segunda etapa consiste em relacionar esta sensação com o que está fora de nós, no exterior do corpo. É como se eu cortasse uma árvore mas, ao mesmo tempo, como se me convertesse numa árvore. Pessoalmente procuro explicar como uma sensação de «extensão do corpo». Por exemplo, quando se toca na mão de alguém, ao mesmo tempo toca-se no seu coração. Quando me tomou o pulso perguntei-me se não teria tido esta sensação; se através do meu pulso não tocou mais profundamente no meu corpo?
Y – Pode expressar-se assim. Eu explico da forma seguinte: trata-se de pressionar um botão de ki que temos na cabeça.
T – Em França li um livro sobre a capacidade de tocar o coração e espírito de uma pessoa através do seu corpo. Um pai, por exemplo, pode tocar no seu bebé ainda no ventre da mãe com a mão ou com a voz, e o bebé responde a este estímulo, estabelecendo-se assim uma comunicação pré-natal. Este tipo de prática pode estar relacionado com a prática psicanalítica. É uma perspectiva que me tem interessado e à qual sou sensível embora não a conheça bem. Quando praticava ritsu-zen perguntava-me se não estava a fazer uma extensão do corpo para tocar na árvore que tinha diante de mim. Certas pessoas, quando entram numa casa emitem uma espécie de luz enquanto outras emitem uma espécie de sombra; não se trata isto de uma extensão do corpo? Na arte marcial tradicional também se diz que se sente o kehai do seu adversário (de outra pessoa), ou que se pressente algo nas costas. Este tipo de sensação não resulta de uma dedução intelectual; é mais como se o corpo se ampliasse ou se tocassem nas costas. Quando se sente esta presença quase cutânea, viramo-nos para ver se nos atacam. De certa maneira, este tipo de sensação é contrária à nossa disposição para intelectualizar as nossas percepções, para verbalizar o pensamento.
Y – Na terminologia do qi-gong poderíamos dizer que se trata de estabelecer e desenvolver uma consciência do espaço, do nosso próprio ki, para que este se converta num ponto de contacto com o ambiente. Então esse espaço serve-nos de antena, permitindo que a informação do ki penetre na pessoa. Com este espaço, através deste campo particular de ki, estabelecemos uma comunicação entre o ki externo e o nosso próprio ki.
T – Compreendo bem o que diz. Graças à sua experiência, creio que compreende bem o que se chama de yomi no combate de karaté ou de kendo. Yomi significa ler e trata-se exactamente da mesma palavra que se utiliza para «decifrar o que está escrito» mas, como forma de consciência, é completamente diferente: não se trata de ler intelectualmente mas, de perceber algo intuitivamente, cutaneamente.
Y – Exactamente. Ao realizar o trabalho interno do boxe chinês o seu corpo mudou? As suas dores físicas diminuíram?
T – Quando comecei a estudar o método de respiração do mestre Nishino, compreendi que a prática da makiwara não era eficaz e deixei-a imediatamente.
Y – Há quanto tempo fazia esse exercício?
T – Já praticava com a makiwara há cerca de vinte anos. Durante uns 6 anos praticava diariamente cerca de 2000 golpes por dia. Depois de a deixar, tive muitas dores no punho durante mais ou menos um ano.
Y – Parece-me compreensível. É um processo bem conhecido quando se melhora o fluxo do ki.
T – A dor no pulso desapareceu ao fim de um ano mas, como durante muito tempo fiz centenas de mawashi-geri todos os dias, tive problemas com a 5ª vértebra lombar. Ainda é o meu ponto fraco embora desde há cinco anos para cá o problema tenha quase desaparecido.
Y – Quando há pouco lhe tomei o pulso e examinei a sua corrente de ki notei uma acumulação enorme de energia na parte inferior do seu corpo.
T – Fico contente ao ouvi-lo dizer isso. Como lhe disse há pouco, quando tinha trinta anos tinha a certeza que não era possível continuar assim até aos cinquenta anos.
Y – Que idade tem agora?
T – 48 anos. Penso que a minha prática começa agora e que o meu caminho me vai levar muito longe.
Y – É formidável!
T – Hoje sinto-me muito melhor do que anteriormente, muito mais relaxado e acho o treino mais agradável.
Y – Ao falar consigo apercebo-me de uma coisa: nas artes marciais não existe reforma. Um praticante de artes marciais não pode usar o termo aposentadoria. Parece-me evidente que existe uma relação entre a melhoria do seu estado de saúde e o prazer que sente ao treinar.
T – Sim. No entanto, hoje em dia, no Japão, fala-se muito sobre como ser forte, sobre técnicas de combate que são realistas ou não, de coisas muito agressivas. Mas, no limiar do século XXI, coloco algumas questões. As artes marciais, o budo, deverá ser apenas um método de investigação sobre a melhor forma de partir a cara, a sua ou dos outros? Não creio que essa seja a visão do futuro das artes marciais. É evidente que é necessário alguma severidade, uma certa dureza na prática de artes marciais mas, de acordo com a minha experiência, chega uma altura em que nos deparamos com uma barreira. Foi graças a este impasse que pude descobrir e praticar o método interno. Foi a partir desse momento que me comecei a interessar pelo qi-gong, pelo yoga, etc., pelas diferentes práticas internas. Pergunto-me qual será a prática que podemos seguir hoje e no futuro. Para o dizer de uma forma mais intuitiva, a integração do shoshuten ou do daishuten nas artes marciais deve conduzir-me a um estado superior de mim mesmo. No futuro, fará algum sentido praticar as artes marciais, o budo, se não contemplarmos este tipo de melhoria? Não será triste continuar praticando apenas técnicas de destruição? Esta melhoria e desenvolvimento do indivíduo é uma perspectiva muito budista mas, é esse o meu objectivo.
Continua…
Sensei Kenji Tokitsu & Dr. Toshihiko Yayama
1ª Parte
Em dezembro de 1995, o mestre Tokitsu viajou para o Japão tendo-se encontrado com o Dr. Yayama e, na altura, convidou-o para realizar um seminário em Paris. O Dr. Yayama era o médico responsável pelo moderno hospital local de Saga (Kyushu), e criador de um dos métodos de qi-gong (chi-kung) que utiliza no tratamento de diferentes tipos de cancro. A revista «Cosmic Letter» publicou uma extensa entrevista entre o Mestre Tokitsu e o Dr. Yayama, da qual apresentamos apenas um excerto.
Yayama (Y) – Ao praticar os meus exercícios de Ki (Chi), tenho me interessado cada vez mais pelas artes marciais chinesas, entre as quais pelo taiki ken do mestre Sawai. Esta arte é originária do da-cheng-chuan? Praticou o taiki ken?
Tokitsu (T) – Em 1982, quando me dirigia ao Japão para aprofundar os meus estudos sobre o Karaté de Okinawa, comprei um livro sobre o taiki ken do mestre Sawai que me entusiasmou. Nesse mesmo ano, encontrei-me com o mestre Nishino, com quem pratiquei no meu dojo, no ano seguinte, durante a sua visita a França. Soube então que o mestre Nishino era aluno do mestre Sawai.
Y – Também praticou com o mestre Nishino o taiki Ken?
T – Estive com o mestre Sawai apenas uma vez mas, em Paris, treinei com os seus alunos. Senti-me muito influenciado pelo espírito e forma do taiki ken.
Y – O método do mestre Sawai é baseado no ritsu-zen. Em chinês diz-se zhan chuan, mas o mestre Sawai fala de ritsu-zen. Eu, pessoalmente, prefiro o termo ritsu-zen o qual utilizo no nosso grupo.
T – Também prefiro utilizar o termo ritsu-zen, pois parece que zhan-chuan simplesmente quer dizer permanecer imóvel como uma estaca, enquanto o sentido do termo ritsu-zen é mais profundo.
Y – Ao ouvir a expressão zhan-chuan, questionamo-nos sobre o seu significado enquanto o termo ritsu-zen é imediatamente compreendido por um japonês. Além disso, para a saúde, o ritsu-zen é muito mais eficaz do que o zazen que se pratica sentado e como a sua prática também é eficaz para as artes marciais, pratico-o desde há alguns anos. Para além do hai, também pratica o ritsu-zen há algum tempo?
T – Sim, desde essa altura. No início praticava principalmente esses dois exercícios: o ritsu-zen e o hai. Então encontrei o da-cheng-chuan, que é a forma original do taiki ken, e descobri que faltavam alguns elementos no ensino do taiki ken quando comparado com o da-cheng-chuan. Historicamente falando parece-me completamente normal uma vez que o mestre Sawai estudou o da-cheng-chuan na época da ocupação japonesa da China. Numa situação deste género, o mestre Sawai não pode estudar todas as subtilezas da prática chinesa.
Y – Claro. Nessas circunstâncias parece-me difícil aprender o essencial.
T – Não obstante, embora o ensino que recebeu não tenha sido suficiente, julgo que o talento marcial do mestre Sawai mitigou as deficiências, permitindo-o fundar o taiki ken. Pelo menos é o que penso ao comparar o seu ensino com o que se pratica na China, hoje em dia.
Y – Esteve na China?
T – Sim. Fui duas vezes a Pequim principalmente para estudar o da-cheng-chuan. Estive com seis mestres diferentes, o que me permitiu comparar as diversas maneiras de permanecer quieto. Cada um pratica a mesma posição de ritsu-zen embora de forma diferente; cada grupo pensa que é o melhor e critica os outros. Existem tantos grupos como mestres e tirei proveito dos diferentes métodos pois pude fazer comparações entre eles.
Y – Eu, pessoalmente, comecei a praticar o ritsu-zen depois de ter lido o livro do mestre Sawai e a partir da minha própria experiência; no entanto, ao início, era muito duro. Não recebi qualquer tipo de ensino. Depois de superar os primeiros problemas continuei a praticar e fui compreendendo os detalhes pouco a pouco. O que compreendi, através da prática do ritsu-zen, é a necessidade de abrir o mingmen na posição, pois abrindo-o pode-se fazer uma respiração mais profunda. O essencial não é a força muscular. No meu modo de ver, o essencial é desenvolver o sistema nervoso que controla os músculos. É por isso que nos colocamos na postura de ritsu-zen. Qual a sua opinião?
T – Estou de acordo. Quanto ao ensino dos mestres chineses, por exemplo, em vez de falarem de ki falam de yi. Yinian: este termo é difícil de compreender e difícil de interpretar. Segundo o que pude aprender e compreender trata-se do seguinte: primeiro criam-se umas relações subjectivas entre as diferentes partes do corpo, por exemplo, a mão e o joelho, a mão e o pé, o pescoço e a mão, como se estas partes do corpo estivessem ligadas por uns elásticos. Quando se move a mão ligeiramente, por pouco que seja, cria-se uma tensão ao nível do pescoço. Assim, constrói-se e desenvolve-se esta interrelação entre as diferentes partes do corpo. Neste sentido, o trabalho do yi é uma prática muito concreta.
Y – Compreendo muito bem. Na verdade, quando ao fazer qi-gong se pratica o ritsu-zen com o corpo repleto de ki, tem-se a sensação de mover todo o corpo quando apenas se move um dedo. Normalmente, quando giramos a palma da mão, só se move o pulso. Quando praticamos sentindo bem o ki, todo o corpo começa a seguir com naturalidade o movimento do pulso. Este é o tipo de sensação que eu sinto. Qual a sua opinião?
T – É verdade. Corresponde aquilo que se chama no da-cheng-chuan de zheng ti.
Y – Quer dizer o corpo que está nesse estado de integração?
T – É precisamente isso. Não há movimentos parciais. Quando mexe a mão, é todo o corpo que se move. Tudo é um movimento global.
Y – Efectivamente, todas as articulações do corpo estão relacionadas, não é verdade?
T – Exacto. A primeira etapa é a de construir esta sensação de integração. A segunda etapa consiste em relacionar esta sensação com o que está fora de nós, no exterior do corpo. É como se eu cortasse uma árvore mas, ao mesmo tempo, como se me convertesse numa árvore. Pessoalmente procuro explicar como uma sensação de «extensão do corpo». Por exemplo, quando se toca na mão de alguém, ao mesmo tempo toca-se no seu coração. Quando me tomou o pulso perguntei-me se não teria tido esta sensação; se através do meu pulso não tocou mais profundamente no meu corpo?
Y – Pode expressar-se assim. Eu explico da forma seguinte: trata-se de pressionar um botão de ki que temos na cabeça.
T – Em França li um livro sobre a capacidade de tocar o coração e espírito de uma pessoa através do seu corpo. Um pai, por exemplo, pode tocar no seu bebé ainda no ventre da mãe com a mão ou com a voz, e o bebé responde a este estímulo, estabelecendo-se assim uma comunicação pré-natal. Este tipo de prática pode estar relacionado com a prática psicanalítica. É uma perspectiva que me tem interessado e à qual sou sensível embora não a conheça bem. Quando praticava ritsu-zen perguntava-me se não estava a fazer uma extensão do corpo para tocar na árvore que tinha diante de mim. Certas pessoas, quando entram numa casa emitem uma espécie de luz enquanto outras emitem uma espécie de sombra; não se trata isto de uma extensão do corpo? Na arte marcial tradicional também se diz que se sente o kehai do seu adversário (de outra pessoa), ou que se pressente algo nas costas. Este tipo de sensação não resulta de uma dedução intelectual; é mais como se o corpo se ampliasse ou se tocassem nas costas. Quando se sente esta presença quase cutânea, viramo-nos para ver se nos atacam. De certa maneira, este tipo de sensação é contrária à nossa disposição para intelectualizar as nossas percepções, para verbalizar o pensamento.
Y – Na terminologia do qi-gong poderíamos dizer que se trata de estabelecer e desenvolver uma consciência do espaço, do nosso próprio ki, para que este se converta num ponto de contacto com o ambiente. Então esse espaço serve-nos de antena, permitindo que a informação do ki penetre na pessoa. Com este espaço, através deste campo particular de ki, estabelecemos uma comunicação entre o ki externo e o nosso próprio ki.
T – Compreendo bem o que diz. Graças à sua experiência, creio que compreende bem o que se chama de yomi no combate de karaté ou de kendo. Yomi significa ler e trata-se exactamente da mesma palavra que se utiliza para «decifrar o que está escrito» mas, como forma de consciência, é completamente diferente: não se trata de ler intelectualmente mas, de perceber algo intuitivamente, cutaneamente.
Y – Exactamente. Ao realizar o trabalho interno do boxe chinês o seu corpo mudou? As suas dores físicas diminuíram?
T – Quando comecei a estudar o método de respiração do mestre Nishino, compreendi que a prática da makiwara não era eficaz e deixei-a imediatamente.
Y – Há quanto tempo fazia esse exercício?
T – Já praticava com a makiwara há cerca de vinte anos. Durante uns 6 anos praticava diariamente cerca de 2000 golpes por dia. Depois de a deixar, tive muitas dores no punho durante mais ou menos um ano.
Y – Parece-me compreensível. É um processo bem conhecido quando se melhora o fluxo do ki.
T – A dor no pulso desapareceu ao fim de um ano mas, como durante muito tempo fiz centenas de mawashi-geri todos os dias, tive problemas com a 5ª vértebra lombar. Ainda é o meu ponto fraco embora desde há cinco anos para cá o problema tenha quase desaparecido.
Y – Quando há pouco lhe tomei o pulso e examinei a sua corrente de ki notei uma acumulação enorme de energia na parte inferior do seu corpo.
T – Fico contente ao ouvi-lo dizer isso. Como lhe disse há pouco, quando tinha trinta anos tinha a certeza que não era possível continuar assim até aos cinquenta anos.
Y – Que idade tem agora?
T – 48 anos. Penso que a minha prática começa agora e que o meu caminho me vai levar muito longe.
Y – É formidável!
T – Hoje sinto-me muito melhor do que anteriormente, muito mais relaxado e acho o treino mais agradável.
Y – Ao falar consigo apercebo-me de uma coisa: nas artes marciais não existe reforma. Um praticante de artes marciais não pode usar o termo aposentadoria. Parece-me evidente que existe uma relação entre a melhoria do seu estado de saúde e o prazer que sente ao treinar.
T – Sim. No entanto, hoje em dia, no Japão, fala-se muito sobre como ser forte, sobre técnicas de combate que são realistas ou não, de coisas muito agressivas. Mas, no limiar do século XXI, coloco algumas questões. As artes marciais, o budo, deverá ser apenas um método de investigação sobre a melhor forma de partir a cara, a sua ou dos outros? Não creio que essa seja a visão do futuro das artes marciais. É evidente que é necessário alguma severidade, uma certa dureza na prática de artes marciais mas, de acordo com a minha experiência, chega uma altura em que nos deparamos com uma barreira. Foi graças a este impasse que pude descobrir e praticar o método interno. Foi a partir desse momento que me comecei a interessar pelo qi-gong, pelo yoga, etc., pelas diferentes práticas internas. Pergunto-me qual será a prática que podemos seguir hoje e no futuro. Para o dizer de uma forma mais intuitiva, a integração do shoshuten ou do daishuten nas artes marciais deve conduzir-me a um estado superior de mim mesmo. No futuro, fará algum sentido praticar as artes marciais, o budo, se não contemplarmos este tipo de melhoria? Não será triste continuar praticando apenas técnicas de destruição? Esta melhoria e desenvolvimento do indivíduo é uma perspectiva muito budista mas, é esse o meu objectivo.
Continua…