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Crónicas do Mestre Kenji Tokitsu | Reflexões sobre o Zanshin

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O que é o zanshin?


Nas artes marciais japonesas utiliza-se por vezes o termo zanshin. Mas qual o seu significado? Vou procurar clarificar e reflectir sobre este termo adicionando alguma da minha interpretação pessoal.

No dicionário japonês encontram-se dois significados para o termo zanshin, aos quais irei acrescentar alguns comentários, uma vez que as definições fornecidas são muito breves e curtas.

  1. O espírito que permanece, ou o acto de deixar o espírito permanecer. 
    • O espírito que não se desapega ou que não sai.
    • O facto de não se satisfazer totalmente das coisas ou dos actos.
  2. O estado-de-espírito procurado e praticado em Kendô ou em Kyûdo (tiro com arco).
    • No Kendô: a atitude mental que se mantêm após o golpe.
    • No Kyûdo: a manutenção da tensão mental após o tiro.

Na prática das artes marciais o termo zanshin refere-se essencialmente ao segundo significado do dicionário.

No Kendô, bater com o shinai corresponde à acção de matar ou cortar com o sabre. A explicação presente no dicionário significa que, ao golpear (matar) o adversário, o espírito não se deve fixar nessa acção. Devemos ter a capacidade de agir face a outro eventual adversário, mantendo a nossa vigilância sobre o primeiro. Não se trata de parar o gesto bruscamente, nem de o continuar no vazio; apesar de o gesto parar, o espírito estará sempre em acção, mas sem estar sob tensão. A vigilância, a disposição, a energia permanecem apesar de o ataque estar concluído.  

No Kyûdo o corpo deve estabelecer uma simbiose com o alvo. Ao largar-se a flecha, independentemente de ela atingir o alvo, a acção continua a ressoar no corpo e no espírito. O acto de disparar a flecha é finito, mas não o espírito que envolve o acto uma vez que a ressonância do gesto permanece. Disparar uma flecha não significa o fim do acto de disparar a flecha.


O zanshin no karaté moderno

O karaté moderno atribui uma grande importância a um conceito inspirado na ideia do zanshin: o kimé.

O karaté moderno preconiza o kimé como uma forma de expressão e concentração de força associada a uma técnica. Se têm uma formação em karaté, convido-vos a prestarem atenção ao vosso corpo quando executam o kimé. O que se passa no interior do vosso corpo? De forma a exprimirem a força e a precisão da técnica, contraem os vossos músculos bloqueando instantaneamente o corpo. Se compararem as tensões para executarem o kimé com aquilo que descrevi sobre o zanshin, deverão encontrar algumas diferenças.

Ao exercerem uma técnica marcial com kimé, encontrar-se-ão durante um breve instante numa postura rígida com a qual procuram sublinhar a precisão e força do gesto. Se observarem com atenção irão verificar que nesse preciso instante se encontram bloqueados e impedidos de realizar qualquer outro movimento. Isto significa que, no instante preciso do kimé, impedem-se a vocês próprios de reagir a um eventual ataque de outro adversário. Creio que esta não é uma atitude correcta numa arte marcial.

Esta é uma das razões pelas quais eu considero que, no karaté moderno, o modelo de kimé utilizado não é uma aplicação correcta do conceito de zanshin.

O leitor ao comparar este modelo de kimé com os meus comentários sobre o significado de zanshin, facilmente reconhecerá as diferenças. No entanto, no karaté original de Okinawa a situação era bem diferente (o que dará azo a uma outra reflexão que não a presente neste texto).

Daqui surge uma questão: se o kimé se inspira no zanshin das artes marciais japonesas, por que razão surgiu o modelo actual do kimé? A resposta a esta questão conduz a uma reflexão sociocultural e histórica sobre a qual me debrucei no meu livro Historie du Karaté-do. Neste breve apontamento contento-me em apresentar alguns pequenos elementos históricos deixando a reflexão para o leitor.


O nascimento do karaté moderno

Entendo que o karaté moderno é composto pelo conjunto de correntes e escolas de karaté formadas e desenvolvidas depois de 1920, na ilha principal do Japão. Na história do karaté moderno distingo quatro períodos:

  1. Primeiro período (1921-1945) – ocorre a introdução do karaté de Okinawa na ilha principal do Japão. Este período inicia-se em 1921 e continua até ao fim da 2ª Guerra Mundial. Constitui uma tentativa de ligar o karaté de Okinawa à tradição das artes marciais japonesas.
  2. Segundo período (1945-1970) – inicia-se no período pós-guerra até ao final da década de 60. Caracteriza-se pela formação do karaté moderno no qual se procura associar o tipo de karaté praticado no primeiro período com uma certa tendência para a competição desportiva. Constitui o nascimento daquilo que é habitualmente chamado de «karaté tradicional».
  3. Terceiro período (1970-1990) – após o primeiro campeonato do mundo de karaté, que ocorreu no ano de 1970 em Tóquio, esta disciplina conheceu um desenvolvimento à escala mundial. Apoiando-se sobre a vaga de filmes protagonizada por Bruce Lee algum tempo depois, o karaté viveu uma verdadeira expansão mundial até ao final dos anos 80.
  4. Quarto período (1990 – até aos nossos dias) – Depois dos anos 90, o karaté entra num período de recessão. A popularidade conhecida no período anterior esbate-se e o número de praticantes começa a diminuir. Ao mesmo tempo, as artes marciais chinesas, entre elas o Tai-Chi-Chuan, começam a ter uma apreciação pública cada vez maior.

Nesta classificação histórica do karaté moderno, situamo-nos actualmente no quarto período. Considero que o modelo de kimé actual se desenvolveu ao longo destes períodos históricos durante os quais o karaté foi tentando afirmar-se como uma disciplina das artes marciais japonesas, ora tradicional, ora desportiva. O karaté moderno foi procurando desenvolver-se como um desporto espectacular, ao mesmo tempo que procurava manter a sobriedade de uma arte marcial tradicional japonesa.

No fundo, o karaté moderno é o produto de um dilema: formar para o espectáculo e ainda conseguir manter a sobriedade de uma arte marcial.

Para terminar esta pequena reflexão apresento-vos uma breve anedota sobre o zanshin.

«Um célebre mestre de Kendô do século XX tomava chá com o seu discípulo num terraço que dava para um jardim. O discípulo interroga o mestre sobre o significado do zanshin. À laia de resposta, o mestre atira o chá para o jardim. De seguida mostra ao seu discípulo o fundo da chávena onde se encontravam ainda algumas gotas de chá, dizendo: “É isto o zanshin.”»

Como podemos criar um espectáculo com uma gota de chá no fundo de uma chávena?

A reflexão sobre o zanshin é a resposta.


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